Numa altura em que se vive uma crise mundial associada à pandemia do Covid-19 provocada pelo novo coronavírus, os receios aumentam, as expectativas diminuem e o caos instala-se. O isolamento social, o encerramento de escolas, fábricas, cafés e restaurantes são uma necessidade e o impacto económico é inevitável perante a paralisação do país.
A atividade agrícola, atualmente, ainda não sentiu grande impacto e a fruta e os hortícolas continuam a ser colhidos e distribuídos nos supermercados.
No entanto, com o estado de emergência e consequente diminuição da procura e queda na rede de distribuição, é inevitável o impacto na agricultura, mais marcado, certamente, para o produtor. Há um ano a preocupação de um agricultor produtor de mirtilos ou outra fruta seria a preparação da campanha que se avizinha, nomeadamente com o início da adubação, preparação dos terrenos e, em breve, a procura de mão de obra para a apanha da fruta.
Atualmente devemos questionar-nos se será possível realizar a colheita de qualquer fruta e, caso seja possível, como está o mercado da exportação e a capacidade de resposta da logística para entrega internacional. A colheita da fruta exige o ajuntamento de um elevado número de pessoas, que será impossível de acontecer se a situação atual não se reverter em breve.
A opção poderá passar por criar circuitos de trabalho que garantam a ausência de contacto entre trabalhadores, assim como um plano de higienização das instalações mais rigoroso e eficiente. No entanto, a questão da distribuição nacional e exportação continuará a ser um problema.
Se olharmos para o exemplo da China, o processo de propagação da doença iniciou-se em dezembro (registo publico desde janeiro), tendo apenas em meados de fevereiro sido confirmada a tendência decrescente de novos casos e, apenas em meados de março, a situação se encontra próximo da resolução. Falamos, portanto, de três meses de paragem total.
Considerando que os primeiros casos confirmados em Portugal foram no dia 2 de março, eventualmente só em junho a situação estará próxima do fim. Por enquanto, vemos o número de novos casos a aumentar exponencialmente.
O Ministério da Agricultura já apresentou medidas dirigidas ao setor, que se entendem como necessárias, para minimizar os eventuais impactos económico-financeiros que possam advir da situação epidemiológica do novo coronavírus: (i) agilizar a liquidação dos pedidos de pagamento, através da atribuição dos incentivos a título de adiantamento, com regularização posterior; (ii) são elegíveis para reembolso as despesas comprovadamente suportadas pelos beneficiários em iniciativas ou ações canceladas ou adiadas por razões relacionadas com o Covid-19, previstas em projetos aprovados pelo Portugal 2020, em que se inclui o PDR 2020, ou outros programas operacionais; (iii) no âmbito das ajudas do Pedido Único 2020, será prorrogado o prazo inicialmente estabelecido para submissão das candidaturas, entre outras medidas.
Esperam-no tempos difíceis, que terão impacto não só no momento, como a longo prazo, devendo ser tomadas medidas para minimizar estes constrangimentos. Neste momento, a nossa preocupação deve centrar-se no controlo da propagação do vírus pois, caso contrário, iremos viver uma situação idêntica à que se vive em Itália em que, até ao dia de ontem, contavam com 35 173 infetados e 2 978 mortos.
Itália tem um sistema de saúde idêntico ao nosso e a população com uma mentalidade muito próxima. Mas no que refere aos cuidados de saúde, em algumas áreas, nomeadamente unidades de cuidados intensivo, podemos concluir que têm uma capacidade três vezes superior à nossa e, ainda assim, estão com dificuldades em gerir a situação.
O grande problema prende-se com o facto de os doentes graves infetados com o coronavírus necessitarem de cuidados intensivos e de serem ventilados artificialmente, de forma a otimizar o processo respiratório e recuperar. Sem um ventilador, a maioria destes doentes acaba por morrer. Estima-se que 10% dos doentes infetados necessitem de cuidados intensivos e, potencialmente, de um ventilador.
Em Itália, com 35 000 casos de Covid-19, necessitavam de 3 500 camas de cuidados intensivos, quando têm aproximadamente 900 a 1000 camas. A partir do momento que os recursos são insuficientes, tal como num contexto de guerra, distribuem-se os mesmos com base num conjunto de critérios, nomeadamente a idade ou a presença ou não de outras doenças que possam agravar a sua situação.
Os que têm maior probabilidade de sobreviver, e com menos sequelas, recebem esses mesmos recursos, ou outros, apenas a sorte lhes pode valer. Em Portugal, temos sensivelmente 500 camas de cuidados intensivos.
Considerando a gestão de recursos e planos de contingência em curso, foram criadas novas unidades de cuidados intensivos com ventiladores provenientes dos blocos operatórios, assim como com empréstimos de ventiladores de associações e instituições privadas. Ainda assim, assumindo que temos 600 a 700 ventiladores, e pela previsão de que 10% dos doentes com Covid-19 necessitam deste recurso, o limite de segurança do SNS para gerir eficazmente esta pandemia seria inferior a 6 000 infetados em Portugal.Não estamos a ter em conta o número de doentes internados por outras patologias que também necessitam de cuidados intensivos e ventilador, portanto, o valor será muito inferior.
Ao dia de hoje, em Portugal temos sensivelmente 650 pessoas confirmadas com Covid-19, ou seja, potencialmente 10% da capacidade máxima para o nosso SNS. Algumas pessoas já perceberam a dimensão do problema, mas outras ainda não, contribuindo favoravelmente para a disseminação do vírus.
Estamos num momento em que é exigida a toda a população solidariedade e altruísmo. Seremos capazes de demonstrar esses valores numa situação de crise?
O tempo o dirá…
Artigo de opinião por Igor Soares Pinto
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